O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais se manifestou, nesta segunda-feira (20), sobre uma entrevista concedida pelo professor da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Dirceu Greco, à Rádio Autêntica Favela, de Belo Horizonte.
Em um programa no último dia 14, o especialista foi interrompido enquanto falava sobre o Projeto Horizonte, da universidade, que faz pesquisas de prevenção à Aids e é parceiro do veículo.
Em seu site oficial, o sindicato publicou uma carta em que denuncia censura por parte da estação de rádio e demonstra solidariedade ao especialista.
“Logo nos primeiros minutos de entrevista, o professor foi interpelado pelo apresentador com a notícia de que o Presidente da Rádio, Misael Avelino dos Santos, gostaria de falar-lhe ao telefone. Imediatamente a entrevista foi suspensa e iniciada uma série de músicas na programação”, diz um trecho do comunicado (leia na íntegra abaixo).
“Muito embora a pauta houvesse sido aprovada pela emissora, o presidente da Autêntica Favela demonstrou absoluta discordância com o tema da entrevista e, por telefone, se posicionou de maneira grosseira, reacionária e homofóbica, deixando claro que a rádio deveria tratar de outros assuntos, com o argumento de que a audiência é diversa e a pauta LGBTQIA+ não atenderia a todos. Ainda de forma rude, apenas desligou o telefone e inviabilizou o final da entrevista”, acrescenta o sindicato.
“O SJPMG manifesta também seu apoio e solidariedade à população LGBTQIA+ , uma das maiores vítimas de violência e segregação no Brasil, também atacada com a censura imposta pela Rádio Favela à pauta”, termina.
Professor se pronuncia
O professor Dirceu Greco se manifestou pelo instagram do projeto, na última semana, e relatou que a pauta havia sido aprovada pela emissora. Ele falaria no programa sobre a importância do Projeto Humano na defesa dos Direitos Humanos e da diversidade, em especial à população LGBTQIA+.
Conforme relata o professor, “a entrevista começou muito bem, com ótima interação com o repórter Ronie. Em torno do sétimo minuto, entretanto, ele me comunicou, ao vivo, que o Presidente da emissora, Misael, queria falar comigo fora do ar”.
“Misael começou perguntando se eu era da UFMG e se a Universidade tratava de diversos assuntos – pergunta retórica que respondi sim, com tranquilidade. Em seguida, disse que por isso o tema da entrevista não poderia ser exclusivo para os LGBTIA+, pois a audiência da emissora tem diversos outros interesses. Ponderei que isso é claro e sabido, mas a atividade proposta e acordada previamente era para aquela população”, acrescentou.
“Ele complementou grosseiramente que, sendo assim, não havia sentido a entrevista. Sugeri então que voltássemos ao ar, ele fizesse esta explicação e encerrasse a entrevista. Ao invés disso, ele apenas desligou o telefone…”, diz o professor Dirceu. Após o episódio, o projeto comunicou não terá mais parceria com a Rádio Autêntica Favela.
Em nota enviada ao BHAZ, a Diretoria da Faculdade de Medicina da UFMG disse que “lamenta e repudia qualquer forma de censura e se solidariza com o professor Emérito da instituição, Dirceu Greco”. ”Lamentamos especialmente quando a censura busca impedir acesso a informações que auxiliam na saúde pública de populações já perseguidas e muitas vezes alijadas de seu direito de assistência à saúde”.
Posicionamento da Rádio
O BHAZ tentou contato com a Rádio Autêntica Favela e, por telefone, o presidente Misael Avelino disse não haver “nenhuma denúncia contra a rádio” e que está havendo “um estardalhaço muito grande” sobre o caso. Ele disse, por fim, que se pronunciaria por email, mas até a publicação da matéria não obtivemos retorno.
Carta do Sindicato dos Jornalistas
“No último dia 14 de setembro o professor Emérito da Faculdade de Medicina da UFMG, Dirceu Greco, participou de uma entrevista na programação da Rádio Autêntica Favela para tratar de diversos temas relacionados à sexualidade, à saúde da população LGBTQIA+ e aos direitos humanos, a partir das experiências dos projetos Horizonte e PrEP 15-19, coordenados por ele. Esta era a quinta vez que um representante dos projetos atendia ao convite da rádio para participar e abordar estes importantes temas. A pauta proposta, aprovada pela emissora, utilizava como mote a comemoração do 27º aniversário do Projeto Horizonte (PH). Incluía a importância do PH na defesa dos Direitos Humanos e da diversidade, tendo como foco principal a população LGBTQIA+, tão agredida em seus direitos e sujeita à violência, preconceito e discriminação.
Logo nos primeiros minutos de entrevista, o professor foi interpelado pelo apresentador com a notícia de que o Presidente da Rádio, Misael Avelino dos Santos, gostaria de falar-lhe ao telefone. Imediatamente a entrevista foi suspensa e iniciada uma série de músicas na programação. A entrevista foi encerrada, sem explicação alguma aos ouvintes. Muito embora a pauta houvesse sido aprovada pela emissora, o presidente da Autêntica Favela demonstrou absoluta discordância com o tema da entrevista e, por telefone, se posicionou de maneira grosseira, reacionária e homofóbica, deixando claro que a rádio deveria tratar de outros assuntos, com o argumento de que a audiência é diversa e a pauta LGBTQIA+ não atenderia a todos. Ainda de forma rude, apenas desligou o telefone e inviabilizou o final da entrevista.Entendemos que esta atitude fere a liberdade de informação, princípio básico do Estado Democrático de Direito. Desta forma, urge que esta e toda tentativa de censura e silenciamento seja repudiada vigorosamente, sobretudo por nós, jornalistas defensores de uma imprensa livre, justa e com responsabilidade social.
Em tempo, manifestamos nossa profunda solidariedade às populações LGBTQIA+ que infelizmente foram prejudicadas e privadas do acesso à informação, pela deplorável e absolutamente incoerente conduta do presidente de uma rádio comunitária, educativa e com finalidade de inclusão. Inclusive, ao observar a trajetória da Rádio Autêntica Favela, fica claro a sua importância no movimento de socialização dos meios de comunicação, que ainda hoje estão concentrados em oligopólios familiares. Na década de 1980, durante a ditadura militar, a Rádio Favela operava sem licença legal, a partir de uma iniciativa dos moradores da Vila Nossa Senhora de Fátima, no Aglomerado da Serra. Sofreu repressão violenta, com invasões policiais e prisões. Somente em 1996 foi legalizada, depois de uma trajetória independente e combativa de rádio pirata à rádio comunitária. Diante da história, é evidente o descompasso da atitude do presidente da rádio e os princípios e trajetória dela nos últimos 40 anos.
A parceria da Rádio Autêntica Favela com o projeto PrEP 1519 Minas foi estabelecida a convite da própria emissora, que consegue alcançar o público mais periférico, tais como a comunidade do Aglomerado da Serra. Um dos objetivos da PrEP é levar informação a essa população para reduzir o preconceito e promover maior acolhimento dos jovens da periferia que se identificam como gays, homens que fazem sexo com homens, mulheres trans ou travestis em suas comunidades. O projeto também objetiva promover a prevenção às infecções sexualmente transmissíveis junto a esses jovens, que têm maior dificuldade de acesso a esse tipo de informação, assim como ao sistema de saúde e aos métodos preventivos, o que os tornam ainda mais vulneráveis às IST e outros tipos de violências. Ao debater temáticas ligadas a essa população, também se busca a conscientização dos familiares e de toda a comunidade”.