Alta nas temperaturas em Minas Gerais e também nas queimadas. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) indicam que de janeiro até agosto o estado teve 4.514 focos de incêndio, o que representa um recorde. A quantidade de queimadas é mais que o dobro do que foi registrado no mesmo período de 2020, quando 2.198 ocorrências foram registradas. Além da degradação do meio ambiente, a quantidade de fogos também acende o alerta para outro problema: o fornecimento de energia.
No estado, a principal responsável por distribuir a energia até o consumidor final é a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). De janeiro a agosto deste ano, a empresa pública já registrou 305 ocorrências na rede elétrica relacionadas à queimadas. Isso fez com que 386.646 clientes fossem prejudicados no fornecimento de energia. Somente no mês passado, foram 161 casos, que causaram problemas para cerca de 111 mil clientes da companhia. Só entre janeiro e julho, o número de clientes afetados aumentou 6,4 vezes em relação ao mesmo período de 2020, saltando de 43 mil para 277 mil pessoas.
As queimadas também impõem um desafio para as equipes de campo no que diz respeito aos reparos na rede, começando pelo acesso dos trabalhadores à área atingida.
“Normalmente, esses locais são de difícil acesso e em áreas muito amplas. Além disso, levar estruturas pesadas, como torres e postes, em áreas acidentadas torna ainda mais desafiadora a manutenção das redes prejudicadas pelas queimadas. Nosso estado é muito grande, com muitos relevos e isto dificulta muito os trabalhos de nossas equipes”, afirma o gerente de Saúde e Segurança do Trabalho da Cemig, João José Magalhães Soares.
O sistema de Furnas, por exemplo, possui 3.199 quilômetros em linhas de transmissão em Minas, com nove subestações: Barro Branco, Itutinga, Poços de Caldas, Batalha, Furnas, Itumbiara, Marimbondo, Mascarenhas de Moraes, Porto Colômbia. De janeiro de 2020 até agosto deste ano, a empresa contabilizou 124 desligamentos provocados por queimadas em seu sistema de transmissão em todo o Brasil, sendo que 25 deles foram registrados no estado, o que representa 20% dos casos. Três aconteceram somente neste ano. Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Tocantins são outras localidades que também sofrem com o problema.
Ricardo Abdo, gerente de Linhas de Transmissão de Furnas, diz que as ocorrências no sistema da empresa são amenizadas por conta da robustez das ligações, chamadas de Sistema Interligado Nacional. Ou seja, a interligação de sistemas faz com que a energia chegue nas distribuidoras por outros caminhos, sem que o consumidor final seja afetado. Abdo, no entanto, alerta que se houver uma quantidade grande de interferências de queimadas nas linhas de transmissão de forma simultânea, a população pode ser afetada.
“Graças a essa robustez do sistema que dificilmente desligamentos pontuais vão afetar diretamente o consumidor final. Mas por que isso é prejudicial? Porque podem ter outras ocorrências simultaneamente e ter esse problema de queimada de desligamento da linha e, aí sim, ter um problema mais crítico que afete o consumidor. A transmissora de energia entrega a energia direto para o distribuidor”, explica o gerente.
Como os incêndios afetam os sistemas?
Os sistemas são afetados pela fumaça proveniente dos incêndios. Além disso há a presença da fuligem, que é um elemento condutor e que ajuda no aquecimento dos cabos. Com isso, abre-se um curto-circuito nos fios, uma vez que o ar, que faria o isolamento em situações normais, perde espaço para o material das queimadas.
“Aquele fogo produz fumaça e fuligem. Toda aquela cortina de fumaça chega até os fios condutores. Em condições normais, você tem um isolamento natural do ar, do cabo condutor onde está passando a energia. Quando a fumaça entra naquele ambiente e preenche o espaço, por ela e a fuligem terem elementos condutivos, o ar perde sua característica de isolamento e com isso se abre um curto-circuito na linha de transmissão, entre o solo e aquela fumaça. Isso ocorre na transmissão e na distribuição”, destaca Ricardo Abdo.
Furnas, por ser responsável por levar a energia da usina até o distribuidor, opera com torres e linhas com distâncias mais elevadas, inclusive do solo, uma vez que o sistema opera com fios de alta tensão. Já o sistema de distribuição da Cemig, por exemplo, tem fios mais próximos do solo se comparado com a transmissão, justamente pela tensão ser menor.
“Na distribuição isso acaba sendo mais crítico, por causa da distância. Furnas opera com sistema de alta tensão. Então são torres e linhas com distâncias mais elevadas. A distribuição é um nível menor, opera com estruturas menores. Aí fica ainda mais vulnerável em relação às queimadas”, completa o gerente de Linhas de Transmissão de Furnas.
Ações preventivas
Tanto Furnas quanto a Cemig elaboram ações preventivas para preservar os sistemas de transmissão e distribuição, respectivamente, com limpeza nos corredores. No entanto, os riscos não são eliminados totalmente, uma vez que a fumaça pode chegar aos fios por meio de um incêndio distante dos sistemas e causar prejuízos, mesmo em uma área que as equipes tenham limpado.
Furnas utiliza, também, o sistema do INPE, que monitora as áreas de forma espacial. Além disso, há um sistema de localização de focos de calor, além de uma equipe de meteorologia que faz previsões de estiagem, de ventos fortes ou de algo atípico que pode afetar a transmissão.
A Cemig, por sua vez, criou um sistema de alerta de queimadas, que também utiliza dados de satélite e de modelos meteorológicos para identificar, monitorar e prever o deslocamento de focos de queimadas nas proximidades de suas linhas de distribuição e transmissão, permitindo às equipes de campo realizar inspeções em pontos específicos para avaliar os riscos de possíveis desligamentos.
Vale lembrar que provocar queimadas em mata ou floresta é crime ambiental, previsto na Lei 9.605/98, podendo gerar uma pena de dois a quatro anos de reclusão, além de multa.
Com EM